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A polêmica e aquilo que está sendo esquecido em Tomb Raider


Más demonstrações do novo Tomb Raider escondem uma personagem de crescimento genuíno e, mais do que isso, um ótimo jogo.

Creio que, entre todos os jogos demonstrados durante a E3, nenhum foi tão comentado quanto Tomb Raider. O peculiar, no entanto, é que esses comentários não tratam das impressões tidas com o jogo, seja por parecer interessante ou tedioso, mas sim de questões sobre sexismo e do tratamento empregado a mulheres nessa indústria.
Eu admito que, quando assisti a demonstração na feira do ano passado, passei a compartilhar do desconforto sentido por muitos. Em tudo que era mostrado do jogo, Lara estava constantemente sendo machucada e torturada, com um escrutínio assustador, acompanhado sempre de gemidos e murmúrios da protagonista. Era uma situação estranha em que, inicialmente, você não tinha certeza se havia algo mesmo de errado acontecendo, ou se o erro estava em você, por se sentir desconfortável e acreditar que havia algo de errado naquilo que via. Não demorou muito para que diversas pessoas comentassem sobre essa sensação, sedimentando que, sim, havia um tom um tanto quanto sadista por trás daquilo que era mostrado.
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Reprodução
Tomb Raider
De lá para cá, um ano se passou. A questão, enquanto não esquecida, apareceu de outras formas, e não mais tendo Tomb Raider como seu centro. E isso ficou assim, até a E3 deste ano, quando o jogo reapareceu. De cara, durante a coletiva da Microsoft, aquele desconforto ressurgiu. Mesmo dominando a situação e derrotando inimigos, Lara ainda está sempre levando a pior, e seus gemidos que beiram entre o sádico e o sexual permearam todo o trailer. Além disso, houve toda a polêmica em torno da ameaça de estupro proferida por um vilão, que acabou sendo ainda mais mal vista após a declaração do produtor executivo do jogo, que afirmou que a motivação de jogadores seria “proteger Lara”.
Com as expectativas já um pouco envenenadas, fui assistir uma apresentação de cerca de 20 minutos de Tomb Raider, esperando apenas reafirmar minhas suspeitas e ter aquele desconforto aumentado.
E aí eu saí daquela sala querendo, mais do que nunca, jogar Tomb Raider.
A apresentação conduzida me provou que o grande problema da produção da Crystal Dynamics está sendo a maneira como o jogo tem sido mostrado. Na E3, a portas fechadas, sem precisar ser estrondoso e grandioso para vídeos, Tomb Raider se mostra um jogo com uma cadência bastante própria, bem menos derivativo de Uncharted do que fomos levados a crer, e com uma protagonista que aparenta ter um arco de crescimento legítimo.
Reprodução
No início da demonstração, Lara está procurando por outros sobreviventes na ilha. Equipada com um arco e flechas que ela encontra por lá (e munida de um conhecimento aparentemente prévio de como utilizá-los), ela explora os arredores, na esperança de encontrar alguém. Não demora muito para que a vida selvagem local se interesse por ela, pedindo que ela se defenda com a arma recentemente adquirida. Apesar de ela sair da situação quase ilesa, há uma tensão genuína na cena e em seus acontecimentos. A ameaça claramente não é algo com o qual ela está acostumada; a superação do medo e fazer o que é preciso para sobreviver são mostrados como indícios nas exclamações e ações de Lara, sem que ela explicitamente explique aquilo que está sentindo. O mesmo ocorre em seguida, quando uma tempestade súbita a pega de surpresa e, se abrigando embaixo de uma grande pedra, ela improvisa uma fogueira para se aquecer, quase falhando no processo. Ao final desses eventos, saindo deles um pouco mais experiente, é possível ver fagulhas do crescimento pelo qual Lara está passando que, presumivelmente, a levará eventualmente a ser a heroína que conhecemos.
Divulgação
Tomb Raider
O mais interessante, no entanto, é que, diferente do que foi mostrado ou comentado pelo produtor executivo, nenhum desses fatos calca-se no sexo de Lara. A faceta explorada da personagem é a dela ser arremessada de cabeça em uma outra realidade, sendo forçada a utilizar os recursos que tem à mão e de sua inteligência para sobreviver. A vontade de protegê-la, citada pelo produtor executivo, não apareceu, em nenhum momento, como motivação. Pelo contrário, se qualquer coisa, Lara desponta como uma figura como a qual almejamos ser; certas falhas e inexperiências são óbvias, porém a cada passo ela aprende um pouco mais, esculpindo-se no processo.
Essa progressão da personagem na narrativa é uma que aparece também através de mecânicas. Em suas andanças pela ilha (que não aparenta ser um mapa aberto, mas seus ambientes são vastos e incitam a exploração), as várias habilidades de sobrevivência da protagonista vão melhorando, podendo ser elevadas quando ela encontra uma fogueira (que indica a presença de uma base, um local seguro). A experiência ganha com os feitos, como derrotar lobos, por exemplo, traduz-se em melhores equipamentos e novas proficiências, como a capacidade de recuperar flechas dos cadáveres de animais mortos.
Apesar das áreas grandes, não ficou claro se existem objetivos secundários para serem terminados na ilha, ou se eles oferecerão apenas coisas como itens colecionáveis e possibilidades adicionais de se conseguir experiência. Também não está muito explícito qual será a frequência dos combates com outros seres humanos armados. Na demonstração, fora de cutscenes, apenas a vida selvagem antagonizava Lara, mas é possível que isso tenha ocorrido por se tratar de um segmento mais ao início do jogo.
A demo também passou pela parte em que ocorre a menção ao abuso sexual. Mais do que qualquer declaração, a coisa mais eficaz que a Crystal Dynamics poderia fazer para explicar a situação seria mostrar esse trecho na íntegra. O que ocorre é que, em uma situação de grande perigo, Lara é rendida por um capanga que, entre outras ameaças, afirma a intenção de violentá-la. É algo forte, eficaz e completamente cabível na situação, dada a índole do vilão presente e a ausência de qualquer forma de lei nas proximidades.
A grande perda é que essa discussão em torno do estupro apagou um dos momentos mais interessantes de toda a demonstração. Após uma luta, com grande esforço Lara consegue virar uma arma para o homem que a ameaça e dispara um tiro contra ele, matando-o. Tudo leva a crer que essa é a primeira vida humana que a protagonista retira. Nós já vimos em outros vídeos que o combate contra outras pessoas ocorrerá em certos pontos do jogo, e que a heroína não parece, nesses momentos, ter questões morais quanto a isso. Entretanto, nessa hora, quando ela faz isso pela primeira vez, é acometida de um desespero, em seguida vomitando, sentindo todo o peso da ação que acaba de cometer.
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Tomb Raider
Esse fato e a reação a ele, bastante humana, denota, mesmo que através de um trauma, uma forma de crescimento, e permite uma grande identificação com a personagem. E, mais uma vez, fora a ameaça de estupro (que continuo achando cabível), nenhum desses acontecimentos toca no ponto de Lara ser mulher. Em todo momento, é a presença em uma situação alienígena e os choques que acarretam dela que estão lapidando e conformando a personagem. Em nenhum ponto, ao menos pelo que pôde ser visto na apresentação, o sexo da protagonista é utilizado como um fator determinante.
Isso significa que acho que Tomb Raider será uma luz na maneira como mulheres são representadas em videogames? Não. Na verdade, é possível afirmar que Lara poderia ser substituída por um homem e as características da personagem – tanto positivas quanto negativas – permaneceriam as mesmas. No entanto, acredito que toda a discussão sobre a questão de mulheres em videogames que focam em como Tomb Raider apresenta uma visão sexista sobre o assunto são exageradas, e estão impedindo muitos de verem as ótimos qualidades que o jogo promete apresentar.
Ao fim da demonstração de Tomb Raider, eu gostei do que vi e gostei dos caminhos pelos quais a personagem está sendo levada. Ainda há muitos elementos incertos, como o escopo da exploração, a liberdade na aventura, o foco no combate etc, mas o jogo parece possuir ótimas ideias.
Tomb Raider sairá no dia cinco de março de 2013, para PCPlayStation 3Mac e Xbox 360.

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